domingo, 22 de janeiro de 2012

O Homem e a máquina

Meus caros leitores, nesta matéria da Exame podemos ler e ver um grande desafio que esta instalado e como a verdadeira gestão pode ajudar nosso governo ou atrapalhar nossos honestos políticos!

Paulo Andrade

A gestão pública brasileira precisa de um brutal choque de eficiência. O empresário Jorge Gerdau foi o escolhido para liderar o processo. Até onde ele consegue ir?

Mesmo para os padrões brasileiros, poucas vezes na história os políticos causaram tanta repulsa - mais do que justificada, diga-se - quanto agora. A sequência de escândalos de corrupção já derrubou cinco ministros da presidente Dilma Rousseff. O sexto está cada vez mais enrolado em suas próprias mentiras e, agora, a bolsa de apostas se sofisticou - especula-se não somente quais os próximos da lista mas também a ordem com que seguirão para o cadafalso. Brasília nunca mereceu tanto a alcunha de ilha da fantasia, um lugar onde uma minoria parece conspirar diariamente para sugar o dinheiro de quem trabalha. Tudo, lá, opera a favor do "malfeito", para usar uma expressão cara à presidente. Temos quase 40 ministérios. Quase 1 milhão de pessoas trabalham para o governo federal, das quais 20000 são apadrinhadas nos chamados "cargos de confiança".

O orçamento do governo federal é de invejáveis 2 trilhões de reais, o que faz do mandatário brasileiro uma das pessoas que mais movimentam recursos em todo o mundo (veja quadro na pág. 54). Essa montanha de dinheiro circulando num ambiente de pouca transparência, em meio a um sistema político sedento por recursos. só podia dar no que deu. O Brasil é o 69" país mais corrupto da atualidade, segundo um ranking elaborado pela ONG Transparência Internacional. Temos uma das maiores cargas tributárias do mundo - sem que isso se materialize em serviços públicos de padrão digno. No relatório mais recente do Banco Mundial, divulgado em julho, o Brasil aparece na posição 136 entre 142 nações analisadas no quesito de qualidade de gastos do governo.

O orçamento trilionário do governo é incapaz de financiar uma infraestrutura compatível com o tamanho de nossa economia. A máquina pública brasileira suga muito e devolve pouco, dando um exemplo de improdutividade e ineficiência que extrapola os limites das repartições, impõe travas ao crescimento e não serve o cidadão. Mais de 15 anos atrás, o Brasil conseguiu vencer a instabilidade econômica, com as consequências que todos nós conhecemos. Agora, parece ser consenso que um novo salto do país só será possível se conseguirmos vencer o enorme desafio da melhoria da gestão pública. "O Brasil que estabilizou a moeda e voltou a crescer se vê obrigado, agora, a se tornar mais eficiente", diz o cientista político Murillo de Aragão.

Hoje, o rosto que melhor personifica essa busca é o do empresário Jorge Gerdau Johannpeter. Durante 56 anos de trabalho na iniciativa privada, Gerdau ajudou a construir o 12º maior grupo empresarial brasileiro, um conjunto de empresas ligadas à área siderúrgica espalhadas hoje por 14 países, com 45000 funcionários e um faturamento global de 37 bilhões de reais. Sua trajetória e sua estatura como homem de negócios o colocaram na categoria de ministeriável. Recusou todos os convites. No último deles, porém, a conversa tomou um rumo diferente. O diálogo se deu em novembro do ano passado, num encontro a portas fechadas com Dilma, no escritório do governo de transição no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília. Durante a reunião, Gerdau rabiscou o esboço do modelo que poderia levá-lo à equipe da presidente. De acordo com o modelo, Gerdau seria parte de uma espécie de conselho consultivo para projetos de melhoria da gestão pública. "Anotei algumas ideias e ela pediu para ficar com o papel", diz.

Ali surgiu o embrião do que se tornou, em maio deste ano, a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade. Presidida por Gerdau, a câmara é formada por representantes do governo e do setor privado. De um lado, estão quatro ministros Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, Guido Mantega, da Fazenda, Miriam Belchior, do Planejamento, e Fernando Pimentel, do Desenvolvimento. De outro, o expresidente da Petrobras Henri Philippe Reischtul, o presidente da Suzana Papel e Celulose, Antonio Maciel Neto, e o empresário Abilio Diniz, presidente do conselho de administração do Grupo Pão de Açúcar. Nenhum deles recebe remuneração pelo trabalho.

Há pouca coisa que une a rotina do Gerdau empresário à do Gerdau que circula por Brasília. À frente dos negócios, suas decisões significavam execução. No governo é diferente. À frente da câmara, Gerdau não tem autoridade para mudar o que bem entender. Não pode demitir quem se recusar a seguir os planos ou premiar os melhores desempenhos nem tem mandato para decidir livremente o escopo de atuação do grupo. O foco do trabalho da câmara foi definido por Dilma ainda em 2010 e se concentrou nos ministérios da Saúde e dos Transportes, na Infraero e nos Correios. Até agora, o grupo realizou sete reuniões oficiais no Palácio do Planalto - mas Jorge Gerdau já participou de quase uma centena de encontros com ministros e secretários de governo para discutir a importância e a necessidade de mudanças. Algumas medidas práticas, que contaram com o apoio de consultorias como McKinsey, Accenture e o INDG, do especialista em gestão Vicente Falconi, já começam a sair do papel. Uma das metas mais ambiciosas está nos Correios - entre aumento de receita e corte de custos, os ganhos previstos são de 1,5 bilhão de reais por ano. Os resultados, segundo os planos da câmara, começarão a aparecer em 18 meses. Outro projeto busca formas de reduzir a burocracia para licitação e execução de obras em rodovias e ferrovias. "É um modelo inédito de cooperação que nos permite perseguir metas objetivas", diz a ministra Gleisi Hoffmann, uma das principais interlocutoras de Gerdau no governo. "A presidente Dilma tem acompanhado de perto os resultados."

Hoje, a câmara "ale mais pelo simbolismo do que pelos resultados. Numa visão otimista, ela seria, antes de mais nada, o reconhecimento de que mudanças precisam ser feitas, o primeiro passo para a ação. Não é pouca coisa, mas também não é garantia de nada. "No Brasil, o governo federal é o reino da rigidez", diz o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. "Executar mudanças expressivas nesse contexto é um trabalho heróico," É evidente que Gerdau sabe disso. A máquina que ele quer ajudar a trabalhar tem, sim, funcionários comprometidos. Mas também está impregnada de gente que, por interesses pessoais ou políticos, prefere que as coisas continuem exatamente como estão. E elas vão resistir. Gerdau sabe, ainda, que o sucesso de seu grupo depende da entrega de resultados nos próximos meses e anos - e do impacto que eles provocarão na opinião pública e, consequentemente, no meio político. "A burocracia é lenta. Exige paciência, insistência", diz Gerdau. "Mas os resultados são tão grandes e tão fantásticos que vale a pena insistir. Esse movimento pode mudar o Brasil."

NOTAS AOS POLÍTICOS

Prestes a completar 75 anos de idade, Gerdau baseia sua confiança nas experiências que vem colecionando nos últimos anos com governos estaduais e municipais. Seu trabalho pela melhoria da gestão pública começou em meados dos anos 2000 e se intensificou a partir de janeiro de 2007, quando transferiu a presidência executiva do grupo Gerdau a seu filho, André. Foi quando passou a buscar recursos e apoio de outros empresários para sustentar projetos de aumento de eficiência da máquina. O ceticismo, tanto de homens de negócios quanto de políticos, era enorme. "Muita gente não acreditava que pudesse dar certo", diz Beto Sicupira, sócio da AB Inbev, o primeiro empresário a acompanhar Gerdau nas conversas com governadores. Os dois se conheceram por meio de um amigo em comum, o consultor Vicente Falconi, com quem ambos trabalhavam havia mais de duas décadas. As primeiras visitas a políticos interessados num choque de gestão, como Aécio Neves, então governador de Minas Gerais, e Eduardo Campos, de Pernambuco, sempre eram feitas pelo trio. Para escolher aqueles que mereciam uma segunda visita. Gerdau,Falconi e Sicupira criaram um sistema de notas que iam de zero a 100, de acordo com o interesse do político e as chances de sucesso. "Não voltávamos a conversar com quem recebia nota abaixo de 70". diz Falconi. Um dos governadores visitados ganhou nota zero após uma experiência que beirava o patético. "Fomos recebidos pela televisão local", diz Falconi. "O governador pensou que o Gerdau tinha ido até lá para anunciar investimentos e não entendeu nada daquele discurso todo sobre gestão eficiente."

Hoje, Jorge Gerdau e seu grupo têm a seu favor os números. Mais precisamente 14 bilhões de reais em ganhos com aumento de receita e corte de despesas em programas de choque de gestão realizados em 11 governos estaduais e oito municípios. Trata-se de um retorno de quase 200 vezes o valor investido nos projetos de consultoria - boa parte dele financiada por mais de 200 empresários. "Em vez de insistir no embate puro e simples entre empresa e Estado, Gerdau construiu uma parceria em busca de soluções práticas numa proporção inédita", diz Eleior Santana, responsável pela área de gestão pública do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que estuda levar o modelo para outros países da América Latina.

A aproximação com diversas esferas do poder, ao contrário do que pode parecer, é quase sempre um trabalho duro e sem glamour, Gerdau já chegou a visitar até quatro governadores num intervalo de dois dias. Recentemente, chegou às 8 da noite e saiu a 1 hora da manhã de um jantar em Londrina, no interior do Paraná, para arrecadar verbas para projetos de melhoria de eficiência na prefeitura. Um leiloeiro de gado foi chamado para animar os cerca de 400 convidados que fecharam uma cota de 2.6 milhões de reais, suficiente para cobrir todos os custos com o início do projeto. (Estima-se que, nos últimos cinco anos, o carioca Jorge Gerdau tenha colocado mais de 15 milhões de reais de seu próprio dinheiro em projetos de Porto Alegre. sua cidade por adoção.) Mesmo depois de assumir a dianteira da câmara de políticas de gestão do governo federal, ele faz questão de marcar o primeiro encontro pessoalmente com novos interessados em montar programas de choque de gestão. Em dezembro, tem previsto em sua agenda um encontro com o prefeito de Criciúma, em Santa Catarina. "Em geral, a aproximação entre empresários e o setor público acontece muito mais para prestígio mútuo do que para a obtenção de resultados práticos", diz Sicupira. "Com o Gerdau é diferente."

BOAS IDEIAS NA GAVETA

Encarar o trabalho na administração federal é encarar o risco de frustração. Há anos, Gerdau tenta reproduzir em Brasília pelo menos parte do sucesso obtido em algumas cidades e estados do país. Em 2007, estudos para a reestruturação do sistema de Previdência Social apontaram ganhos de até 50 bilhões de reais em quatro anos - num projeto que incluía um amplo esforço para acabar com as fraudes na área. A proposta esbarrou em alas mais resistentes do governo e nunca foi levada adiante. Um ano depois, outro projeto propôs a redução de 2 bilhões de reais de custos em diversos ministérios, numa ação coordenada pela pasta do Planejamento. A meta também nunca foi atingida. "Temos uma tradição de ministérios encastelados, que funcionam sob a lógica de um jogo de poder extremamente complexo", diz Aragão. Tradução: para não perder apoio no Congresso, os presidentes costumam simplesmente deixar na gaveta os projetos que confrontem a base aliada, instalada em ministérios loteados. Dilma fugirá dessa armadilha?

Uma conjunção de fatores, acredita Gerdau, pode tornar o momento atual mais favorável a mudanças. Um deles, que facilitou o avanço da conversa com a presidente no final do ano passado, é a proximidade entre os dois. Ambos se conheceram nos anos 80, quando Dilma ocupou a Secretaria Municipal da Fazenda de Porto Alegre, no governo de Alceu CoIlares. Mas foi entre 2003 e 2010, período em que ela presidiu o conselho de administração da Petrobras (do qual Gerdau faz parte desde 2001), que os dois encontraram afinidades. "Tivemos uma relação muito próxima. As reuniões eram mensais e duravam até 7 horas.

Percebemos que tínhamos opiniões convergentes sobre temas de gestão", diz Gerdau. O relacionamento evoluiu para um contato frequente - hoje, eles se falam pelo menos uma vez por semana, pessoalmente ou por telefone. "Ela quer saber o tempo todo como está o andamento dos projetos, quais são as dificuldades e está sempre pronta para resolver", afirma Gerdau. Um dos exemplos mais recentes diz respeito à burocracia na contratação de consultorias envolvidas nos projetos - que quase sempre esbarram em lentos e ineficientes processos de licitação. Segundo Gerdau, ao perceber o problema, Dilma decidiu fechar os contratos de maneira centralizada na Presidência, num processo que exigiu um trâmite já aprovado na Procuradoria-Geral da União. "Há uma evolução cultural em torno do tema da gestão pública", diz o empresário. "Noto que as portas estão abertas para avançar."

Para os políticos, as portas se abrem na medida em que os votos se multiplicam. E esse talvez seja o maior dos trunfos de Gerdau e seus companheiros. O choque de gestão promovido em Minas Gerais fez com que Aécio Neves fosse eleito por duas vezes governador do estado e ainda fizesse seu sucessor, Antonio Anastasia, Em Pernambuco, OUITO estado a perseguir metas de eficiência, Eduardo Campos reelegeu-se com mais de 80% dos votos válidos. É o que Jorge Gerdau chama de "contrato inteligente". "Com resultados assim, alguns começam a ver esses projetos como oportunidade, não como ameaça", diz o conselheiro Antonio Maciel Neto, presidente da Suzano.

Confiança mútua é fundamental para a lógica de interação desenvolvida por Gerdau. Nos projetos estaduais e municipais, tornou-se praxe o acompanhamento dos resultados das mudanças - conduzido sempre por um grupo de empresários envolvidos em suas metas desde o início. É o que acontece há cerca de cinco anos em Pernambuco. As reuniões no estado ocorrem três vezes por ano e reúnem seis empresários, entre os quais o próprio Gerdau. "Prestamos contas dos resultados e aprendemos a acompanhar de perto o que acontece aqui dentro", diz o governador Eduardo Campos, que conseguiu dobrar a capacidade de investimento apenas com uma gestão mais eficiente. Na câmara, a função dos conselheiros é reproduzir a mesma cultura de acompanhamento.

Os projetos pioneiros escolhidos por Dilma visam obter resultados rápidos, de modo a encorajar novas iniciativas. Além disso, também vão aliviar situações emergenciais. Um deles, conduzido com a ajuda da consultoria Accenture, busca reduzir o tempo de embarque e desembarque de passageiros no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. As medidas ainda estão sendo estudadas, mas deverão incluir alterações óbvias, como direcionar passageiros barrados pelo detector de metais para uma fila separada, em vez de fazê-los atrasar a passagem dos demais. Os primeiros resultados são esperados para dezembro. Juntamente com a consultoria McKinsey, a câmara vem trabalhando na criação de uma nova metodologia de acompanhamento de projetos do governo. A ideia é impor uma padronização das informações prestadas e uma regularidade de prestaçào de contas em cerca de dez projetos prioritários, como a execução de obras para a Copa do Mundo de 2014. O modelo é a delivery unit, criada pelo ex-premiê britânico Tony Blair no início dos anos 2000. Até 2002, entre 20% e 25% dos pacientes ingleses passavam mais de 4 horas nos prontos-socorros em hospitais e centros de saúde - um percentual considerado alto demais. Os projetos de definição de prioridades fizeram esse patamar baixar para apenas 4% em 2005. Os ganhos chegaram a 44 milhões de libras por ano. Nas mãos do novo primeiro-ministro, David Cameron, a unidade foi fechada no ano passado, o que evidencia outro desafio da gestão pública - a continuidade.


O VERDADEIRO TESTE

Quais as chances de Gerdau e seu time liderarem uma mudança cultural em Brasília? O lamentável histórico brasileiro no terreno da gestão pública sugere cautela. Gerdau estima que um trabalho abrangente realizado em todos os ministérios possa trazer ganhos de até 80 bilhões de reais nos próximos anos, mas ele próprio admite que, por ora, seu escopo de trabalho é tímido. Para alguns analistas, a Câmara poderá ter bons resultados em projetos isolados, mas o teste definitivo só viria depois de enfrentar áreas mais pantanosas. É o caso do Ministério dos Transportes, em que as metas são diminuir em até 70% o tempo de execução das obras do governo federal e cortar o desperdício de recursos em 30% num prazo de 24 meses. Além da burocracia, a mudança nessa área deverá esbarrar em outros males arraigados. Boa parte da cúpula do ministério foi demitida em julho após denúncias de superfaturamento e recebimento de propina. Quem se dispuser a enfrentar os bandos que dominam feudos inteiros do governo terá de desmontar práticas consolidadas no país desde a redemocratização. Conseguirá Dilma trilhar um caminho diferente de seus antecessores na luta por apoio da classe política? O Brasil está pronto para virar uma página e dar um salto na administração do dinheiro público? Gerdau diz acreditar que sim - e a imensa maioria dos brasileiros espera que ele esteja certo. "Sabemos que vai demorar", diz Gerdau. "Mas para persistir é preciso manter o idealismo."

Fonte: Exame –edição nº 1005 – 30/11/2011.

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