Caros Leitores,
Conforme havia escrito anteriormente estamos inaugurando hoje o "Momento Economia" com o economista Erick Andrade Borges.
Iniciaremos com um artigo do nosso economista intitulado "Controle de Capitais no Brasil" que foi publicado pela Associação Keynesiana Brasileira e agora sera publicada de forma fracionada em nosso Blog ao longo das semanas.
Paulo Andrade
Controle de Capitais no Brasil - Introdução
O processo de globalização financeira e seus efeitos desestabilizadores vêm sendo discutidos recorrentemente pela literatura econômica nacional e internacional. Particularmente, desde os anos 1990 países emergentes começaram a remover controles de capitais¹, seguindo o exemplo de economias desenvolvidas e, assim, estendendo a jurisdição do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao incluir a abertura da conta capital e financeira como uma proposta da instituição. As críticas às restrições dos livres movimentos dos fluxos financeiros surgiram a partir do apontamento de seus custos, tais como o aumento da taxa de juros doméstica e a redução do acesso aos mercados internacionais de crédito.
No entanto, após a onda em prol do processo de liberalização financeira² e a partir das recorrentes crises financeiras, que se iniciaram na Ásia (em 1997) e se espalharam por todo o mundo, re-estimulou-se a discussão sobre os controles dos fluxos de capitais, sobretudo nas economias emergentes, as que mais sofreram com as crises. Vários economistas passaram a acreditar que controles sobre a entrada de capitais estrangeiros poderiam reduzir a vulnerabilidade destas economias a instabilidades financeiras no cenário internacional.
Embora o comportamento dos fluxos internacionais de capitais seja tema de grande relevância e muito presente no debate entre economistas desde as crises financeiras dos anos 1990, mais recentemente, a discussão sobre o impacto negativo de fluxos de capitais desregulados nos países em desenvolvimento foi reacendida mais fortemente. A discussão se deu especialmente no meio acadêmico, após a eclosão da crise do subprime nos Estados Unidos que se reverteu em crise mundial em 2008. A partir de então, revive-se o debate sobre a eficácia de controles de capitais temporários como política de resposta a crises.
Há inúmeros argumentos que convergem sobre a importância da adoção de controles de capitais, especialmente por parte de países emergentes. Policymakers e até mesmo o FMI, bem como autores considerados tradicionalmente ortodoxos, estão considerando atualmente os irrestritos fluxos internacionais de capitais como um fenômeno maligno. Para Ostry et al (2010) – economistas e pesquisadores do FMI – as massivas ondas de influxos de capitais podem gerar complicações para o gerenciamento macroeconômico, assim como criam riscos financeiros. O apontamento é o de que o forte influxo de capitais em países emergentes pode gerar bolhas nos preços dos ativos financeiros e apreciar a moeda doméstica excessivamente. Com base nesta afirmação, os autores apontam que o controle de capitais pelos países em desenvolvimento é desejável, sob certas circunstâncias. Trata-se de uma afirmação nova, uma vez que parte de uma instituição que tradicionalmente advoga a favor da plena abertura da conta de capitais.
Recentemente, ainda foi divulgado o relatório semi-anual do FMI sobre a estabilidade financeira global – Global Financial Stability Report, April 2010 – que inclui o Brasil em um estudo de casos de países que adotaram controles de capitais diante da crise financeira global de 2007/2009. O estudo realizado examina um episódio muito determinado de controle de capital neste país: a imposição de uma alíquota de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 1,5% sobre investimentos estrangeiros em renda fixa no começo de 2008. A conclusão da análise é que o IOF não teve efeito significativo para reduzir o montante do fluxo de capitais direcionado ao país nem para mudar a taxa real de câmbio. Também afirma-se que a medida não contribuiu para alongar o prazo de investimento dos capitais estrangeiros no país. Segundo o relatório, (IMF, 2010, p. 26), “this may be explained partially by the ability of some market participants to circumvent the controls”.
Dessa forma, o Brasil vem se tornando alvo de discussões sobre o caráter e impacto de controles de capitais preventivos. Além da enorme atratividade do mercado financeiro brasileiro, baseado em elevadas taxas de juros e alta rentabilidade dos capitais investidos na bolsa de mercadoria e futuros (BM&F), o crescimento econômico descolou a economia brasileira dos impactos da crise financeira internacional. Com isso, existe uma forte atração de capitais estrangeiros para o Brasil no contexto macroeconômico atual. Esta atração somada a liquidez internacional pós-crise torna extremamente relevante a discussão do impacto que a cobrança de um imposto sobre os influxos especulativos de capitais tem sobre a valorização cambial e as possíveis razões da sua ineficácia sobre o movimento do câmbio e sobre a composição e o volume dos fluxos financeiros. É mister questionarmos, assim, sobre a pertinência do atual regime macroeconômico que combina metas de inflação, câmbio flutuante e mobilidade de capitais nos países emergentes, como o Brasil.
Sob este contexto, o objetivo principal deste artigo é examinar a proposta da introdução de controles mais abrangentes de capitais, particularmente no Brasil. Mais especificamente, será examinada a relação entre a livre dinâmica dos fluxos de capitais e os controles a partir das diferentes alíquotas do IOF, na economia brasileira. A partir desta análise, se encontrarmos uma relação fraca, isto é, se os movimentos voláteis de fluxos financeiros reagirem muito pouco frente a alterações do IOF, indicaremos um posicionamento favorável aos controles mais abrangentes de capitais nesta economia. Ademais, se mostrarmos a pouca (ou ineficácia) da taxação via IOF como medida para restringir fluxos especulativos de capitais no Brasil, apontaremos a necessidade de reflexão de um conjunto de medidas alternativas mais adequadas para a diminuição da especulação que assola as contas financeiras brasileiras.
Se a literatura macroeconômica nacional e internacional ainda não atingiu uma conclusão acerca de uma medida adequada para análise da eficácia dos controles de capitais, acreditamos que evidências empíricas que mostrem que a ampla liberdade dos fluxos de capitais gera impactos negativos, sobretudo para as economias em desenvolvimento, são suficientes para justificarem o uso de controles abrangentes, que não apenas inibam a entrada de capitais especulativos, mas que limitem quantitativamente o forte influxo. Ademais, acreditamos que a ausência de apontamentos teóricos e empíricos por parte dos defensores da liberalização financeira, que justifiquem a recorrência de crises econômicas/financeiras e suas conseqüências para as economias que sofrem com as fugas de capitais, reforça a proposta.
O argumento subjacente neste trabalho é, assim, o de que controles de capitais permanentes são desejáveis por razões econômicas e políticas. Além da prevenção contra os ciclos financeiros especulativos e a instabilidade crônica da taxas de câmbio e de juros, os controles facilitam políticas industriais, aumentam o nível de emprego e, assim, reduzem a desigualdade social.
O artigo está dividido em mais três seções, além desta introdução. Após uma apresentação de argumentos que convergem para a defesa de restrições aos fluxos ilimitados de capitais e uma breve análise da experiência internacional (seção 2), será feita uma análise da medida que vem sendo adotada pelo Brasil para controlar os fluxos financeiros: a taxação via IOF (seção 3). Em detalhes, apresentar-se-á uma caracterização deste imposto, bem como um histórico de suas alíquotas. Em seguida, será realizada uma análise empírica da relação entre fluxos de capitais e arrecadação do IOF, por meio de coeficientes de correlação. Por fim, à guisa de conclusão, serão tecidas algumas considerações finais (seção 4).
Em suma, por meio de uma apresentação técnica/teórica e uma análise empírica, intenta-se apresentar argumentos mais consolidados e uniformizados que sejam favoráveis ao uso de controles de capitais de forma mais ampla no Brasil.
¹Ao final da Segunda Guerra Mundial foi extensiva a adoção de controle de capitais nos países desenvolvidos. Ficou definida no Acordo de Bretton Woods a manutenção da estabilidade das taxas de câmbio a partir, principalmente, de medidas restritivas aos movimentos internacionais de capitais.
²Existe um marco subjacente a este processo. Trata-se da reunião anual do FMI, em 1997, ocasião em que a direção do Fundo apresentou a proposta aos países membros de mudança em um dos artigos de seus estatutos, que admitia o uso de controles aos fluxos internacionais de capitais; estabelecendo, assim, a liberalização da Conta Capital e Financeira.
Erick Andrade Borges
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